Elegía ao silêncio.
“A Textura do Silêncio – Elegía ao Silêncio”
A exposição que António Navarro nos apresenta tem como lugar principal o silêncio, utilizando o negro em diferentes texturas monocromáticas.
As diferentes obras são criadas no contexto do processo criativo presente na contínua investigação da sua linguagem artística.
O papel é o meio de suporte utilizado em muitas das obras, evocando a beleza do imperfeito ao refletir-se na fragilidade do meio utilizado.
O espaço criado com estas obras refere e indica-nos um espaço de silêncio, para um momento de pausa, que nos convida à contemplação, à reflexão e à emoção.
A sombra e a luz são aqui uma e a mesma coisa, espelhando-se e moldando-se nas texturas, nas manchas e nas não-imagens.
O desejo de luz produz luz, mas precisa das sombras para criar desenho e volume, para criar formas e movimento, para interagir com o espectador.
“Não existe matéria”, a matéria é o espaço de que faz parte, no jogo dos reflexos e da modulação da luz sobre os materiais, levando o olhar e a sensibilidade à emoção, criando novos espaços de silêncio onde antes não havia silêncio.
Como num livro aberto em que o texto se transforma em muitas formas e imagens, também estas texturas descrevem novos textos, transformam-se em esculturas, baixos ou altos relevos, irradiam luz em movimento, tocados pela solenidade de uma beleza sensível, táctil, matérica, através da sua essência mais rude ou dramática pela sua origem metamorfoseada, ou igualmente de outras matérias delicadas, flutuantes, efémeras.
Todos estes elementos de matéria são visíveis e são um discurso permanente de escuridão e sombra, de luz e contraste, de descoberta do simples no complexo espaço da obra, onde se percebe o envolvimento de contemplação e de atemporalidade que através das suas mãos nos transmitem o poder da sugestão.
Os traços, as manchas, a repetição de fragmentos, são os protagonistas na construção de linhas de luz e sombra, de matéria viva, fazendo cada peça respirar ao emanar luz da sua estrutura, dos relevos ou da matéria procedentes da intervenção inspiradora e criadora.
Encontramos nas obras de Antonio Navarro muito de matéria, matéria da pintura? do desenho? da escultura?, encontramos muito de ausência de ruído e de gestos supérfluos, com a precisão e cuidado no tratamento, na harmonia subtil, descrevendo, reescrevendo com sensibilidade e dando coerência ao percurso e ao conjunto destas obras.
Numa procura de substância, estes materiais, carvão, papel, tinta criam relações de sobreposição e de constante diálogo com o espectador, são planos contínuos que se acumulam ou vivem na harmonia de sucessivos relevos que constroem a superfície. Os gestos da sua organização/construção na habilidade do fazer, corporizando gestos persistentes do seu autor, manipulam todas as hesitações até à conclusão da obra.
Sente-se que existe uma nítida influência asiática que leva o artista a inspirar-se no tempo das coisas, no tempo do espírito e no tempo que passa pela existência em geral, e que se vê traduzidos e refletidos no pensamento e na criação das obras, ajudando-nos a colocar questões, a sermos curiosos acerca da condição humana.
Na surpresa que cada obra provoca, na tranquilidade da sua espessura, densa e leve, somos tocados em todos os sentidos.
Outubro 2024
Manuela Cristóvão